quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Adeus...


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
Eugénio de Andrade
Um dos poemas mais bonitos declamados no projecto "Eroscópio"...

6 comentários:

jocasipe disse...

Então Adeus e bom fim de semana.
:-)

Zig disse...

Bonito e triste ao mesmo tempo...

Mazdak disse...

pois é, cá estamos, é a vida...

anademar disse...

a coisa mais bonita que já se escreveu. há despedida mais linda?

Unknown disse...

Alguém um dia já me declamou este poema...
não como um adeus mas como um olá para sempre.

baja disse...

Cá está, este poema é bonito e triste ao mesmo tempo...mas tem o sentido que lhe queremos dar...eu tentei que este marcasse o fim de um ciclo...contudo, ainda n foi desta...